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Capítulo 4

27 de ago. de 2012

Thais Cristina,


"Querida Zara, acho que é assim que se começa uma carta, não?
Na verdade eu não sei como começar, nós conversávamos de tudo tão perto e agora você está a quilômetros de distância...
Não tem a menor graça sem você aqui, sabia? As ruas continuam as mesmas, as pessoas continuam as mesmas.
Tudo exatamente no mesmo lugar, e você aí, vivendo sua nova vida fabulosa!
Queria estar aí com você, porque sinto muitas, muitas saudades e porque não aguento mais esse lugar.
Meu lugar não é aqui, entende? Deveríamos viver essa aventura juntas, eu sei! É o nosso destino.
Mas eu sei que você vai viver muitas coisas aí. E quero que aproveite ao máximo por nós duas!
Só espero que esses três anos passem logo...
Com amor, sua melhor amiga (assim ainda espero)
Rannash."

Pequenas gotas começaram a se formar no canto de meus olhos e logo transformaram-se em um temporal salgado e saudoso. Nunca achei que sentiria tanta falta de casa, daquele lugar de onde eu tentei, por anos, sair desesperadamente. Algumas lágrimas pingavam e eu dobrei o papel novamente, antes que o atingissem. Respirei fundo e sequei os olhos.


Assim que guardei a carta, comecei a vasculhar aquela caixinha repleta de lembranças e presentes. Primeiro um desenho meu e de meus pais, feito à carvão, por meu irmão a alguns anos atrás. Suspirei e funguei mais fundo, me impedindo de chorar outra vez ao relembrar aquele dia. Lá dentro também havia três pulseiras coloridas feitas de corda, um pequeno pote com conchinhas brilhantes e um doce feito pela minha avó. Agradeci mentalmente por receber aquele sabor que tanto me recordava minha casa. Mas uma coisa reluzindo no fundo da caixa chamou minha atenção. Nela, um singelo cordão pendia um pingente dourado, quase como ouro. Seu interior era recheado de pedrinhas brancas e cintilantes. A sensação de segurá-lo nas mãos me fazia sentir próxima de Moontsun outra vez. Aquelas pedrinhas eram tão claras quanto as areias de nossas praias e a coloração do fio que o prendia lembrava-me do pôr-do-sol. Segurei o cordão com as duas mãos e desejei que um pedaço da ilha estivesse ali comigo. De relance, ele parecia brilhar, como se tomasse vida, e eu sorri. Agora sim, me sentia em casa.


O fim-de-semana chegou e com ele veio também a minha ansiedade. Era a primeira vez que poderíamos sair pela cidade, sem supervisão. E era minha primeira vez em uma cidade tão grande. Enquanto eu observava as meninas se arrumarem para sair, pensava se deveria mesmo ir. Elas pareciam tão perfeitamente arrumadas e eu lutava contra o meu cabelo. Raven, principalmente, era uma dessas meninas que arrancavam olhares por onde passasse, quer fosse pela sua própria beleza ou simpatia, e estar ao lado dela nessa situação me deixava intimidada. Apesar disso, meu pensamento estava focado em me divertir e aproveitar a cidade. Uma das meninas havia me emprestado uma máquina fotográfica para que eu capturasse cada momento da viagem, e aquilo me encantou. Eu poderia enviar para minha família e para Rann e assim talvez ela se sentisse parte de tudo aquilo comigo.


Coloquei um dos vestidos que eu talvez usaria numa ocasião de festa na ilha e soltei os cabelos, prendendo neles uma flor laranja que combinava, segundo Rae. No pescoço, pendurei aquele colar que pra mim agora era quase como um amuleto e nos pés calcei umas sandálias baixas. As meninas foram ainda se maquiar e eu desci na frente. O hall de convivência estava agora praticamente vazio e as chances de esbarrar em mais alguém eram mínimas. Me dirigi à grande janela de vidro, idêntica em todos os andares, e comecei a espiar o sol se despedindo atrás da paisagem.


- Realmente, o pôr-do-sol daqui é lindo. - uma voz conhecida apareceu de repente e virei-me para olhá-lo. Josh era ainda mais bonito de perto e seus olhos ainda mais penetrantes.

- Não tanto quanto em minha terra natal. - respondi voltando-me para a janela, tentando disfarçar minha reação - O sol lá parece próximo, como se pudéssemos tocá-lo. - sorri com a lembrança.

- Parece ser um lugar encantador... - ele respondeu e fez uma pequena pausa - ... Assim como seus habitantes. - meu rosto corou.

- É sim. - foi tudo o que consegui responder. Algo em sua presença me deixava extremamente nervosa.

- Você é nova aqui, não é? - fiz que sim com a cabeça - Prazer, Joshua! - sua mão estendeu-se à minha e eu a apertei. O contato me fez estremecer.

- Zara.

- Nome bonito. - sorri, envergonhada e agradeci.

Em poucos segundos alguém se aproximou e gritou o seu nome. Ele virou-se, fez um sinal com a mão para que a pessoa esperasse, apertou outra vez minha mão e se despediu. Eu continuei imóvel, na mesma posição.

- Aquele era Josh Hutcherson falando com você? - uma das amigas de Raven, com um nome bem estranho e impronunciável aproximou-se, tirando-me do meu pequeno transe.

- Acho que sim. - balancei a cabeça em afirmação.

- Uau, querida! Quem diria que a menina turista faria sucesso, hein? - ela falou estudando-me - Acho que hoje é seu dia de sorte! - ela sorriu e eu retribuí.

- Acho que sim... - repeti minha fala, baixo o bastante para que ninguém além de mim escutasse.



Logo as outras meninas se juntaram à nós. Eu estava irradiante pela minha primeira noite de liberdade. Porém mais ainda por alguém ter me achado "encantadora". Não que eu me achasse feia, mas no meio de tantas meninas lindas e bem vestidas da Melborne High, aquele era um elogio e tanto! Quando Raven desceu, todas já estavam prontas para o que a noite nos reservava.

- Já esteve num parque de diversões? - ela perguntou. Neguei com a cabeça, curiosa. Com certeza qualquer coisa que envolvesse as palavras 'parque' e 'diversões' seria um perfeito começo para o que o ano me reservava.

- Então você vai adorar! - abri um sorriso enorme pela certeza de embarcar numa aventura inesperada. A menina tinha razão, aquele era mesmo meu dia de sorte.

Capítulo 3

22 de ago. de 2012

Thais Cristina,

Dark Night, Shinny Morning

Disparei um grito de surpresa tão alto que poderia facilmente ser escutado em todo o campus. A pessoa permanecia ainda parada em minha frente, fitando-me como se me estudasse.


- Acho que alguém aqui andou tendo pesadelos. - Raven falou, rindo.

- Não é nada disso. - menti - Você me assustou!

- Desculpa, achei que gostaria de conhecer o resto da academia, mas pelo visto, prefere passar o dia todo dormindo.

- Que horas são? - perguntei atônita.

- Meio dia. - ela deu de ombros.

- Meio dia? Não sabia que eu estava com tanto sono...

- Eu disse. - ela respondeu com uma risadinha - Se arruma que eu vou te mostrar todos os cantinhos da Melborne.

- Ok, vou tomar um banho e já te encontro.


Me levantei num salto. Eu não tinha o costume de acordar muito tarde e meu corpo doía pelo tempo que eu passei parada numa mesma posição. Tomei um banho rápido e procurei o que vestir. Nada parecia tão elegante quanto as roupas de Raven, mas em outras circunstâncias eu nunca teria me importado. Você está aqui pra estudar, não para participar e um desfile de moda ou algo do tipo, lembrei-me. Acabei colocando um vestido leve, simples e neutro, assim não correria o risco de outra humilhação pública por destoar demais.


Desci o andar - de escadas, não de elevador, eu ainda tinha pavor daquilo - e pude observar um pouco mais. Aquele lugar era simplesmente deslumbrante. Coisa de filme, desses que se passam em alguma época no futuro. De dia, aquela escola parecia-se com um palácio, tirando é claro, a realeza. Os alunos eram príncipes e e princesas de bolsos cheios, mas os cérebros eram completamente vazios. Ri de minha piada interna e voltei minha atenção para o hall de convivência. O lugar estava cheio. Ótimo, como vou achar a Rae nessa multidão? falei comigo mesma.


De um pontinho mínimo enxerguei a barra de seu vestido que, por sorte, hoje era colorido e chamava a atenção. Fui me enfiando pelos cantos, desviando das pessoas e tentando alcançá-la, enquanto ela se movia rapidamente, engatando uma conversa animada com algumas meninas, no mínimo, diferentes.


- Ei, não olha por onde anda, não? - uma voz masculina se sobrepôs às outras.

- Perdão! - falei por educação, sem ao menos enxergá-lo direito. Apenas o lampejo de seus olhos castanho-esverdeados fixou-se à minha mente, fazendo-me estremecer de maneira involuntária. Aquela visão de alguma foma me era familiar.O garoto virou-se antes que eu pudesse concluir de onde o conhecia. Dei de ombros e voltei-me para a direção onde Raven estava agora parada e acenando. Encolhi-me mais uma vez entre as pessoas e finalmente a alcancei.


- Pra alguém que vem de uma ilha atrasada, você até que é bem rápida. - ela disse rindo, assim que me posicionei ao seu lado.

- Ãhn? - não entendi.

- Esquece o que eu disse, Zara! - ela balançou as mãos, deixando pra lá. - Vamos almoçar? - meu estômago revirou-se e eu assenti. Desde o dia anterior não tinha experimentado nenhuma comida sólida. Apenas as pintchas, mas elas não eram o que se podia chamar de refeição. Raven fez nossos pedidos numa espécie de máquina e eu achei aquilo bem estranho, mas assim que nos sentamos e provei aquele alimento cheiroso tive certeza de que poderia comer dessas máquinas pelo resto da vida.


Enquanto almoçávamos, ela me falava do cronograma de aulas. Além das matérias convencionais também tínhamos algumas opcionais que incluíam danças, lutas, artes e várias outras que envolviam o uso da mente e equipamentos robotizados, mas que só podiam ser feitas por alunos classificados como acima da média. Eles passavam o dia inteiro nos laboratórios, fazendo pesquisas e descobrindo novas tecnologias. De início achei tudo meio sinistro demais, mas ao mesmo tempo era bastante interessante. No meio da conversa, reparei que alguém nos encarava. Fiz um esforço para descobrir quem era porém, não lembrei daquele olhar penetrante.


- Raven, você conhece aquele garoto? Ele não tira os olhos daqui. - ela riu e puxou meu rosto para que eu desviasse os olhos dele.

- Aquele é o Joshua. - ela disse, meio desconfiada - Olha, ele pode ser muito bonito, mas não me leve à mal, eu não apostaria minhas fichas nele.

- Por que não? - Encarei-a, unindo as sobrancelhas.

- Porque ele é um deles. - fiz uma expressão de confusão outra vez. Ela continuou - Josh é um dos nerds que trabalham no laboratório. Aliás, todos daquela mesa são. - olhei na direção deles. Havia mais dois garotos e uma menina sentados também, e eles tinham inciado uma conversa baixa, quase que sussurrando uns para os outros - Eles podem ser legais, mas eu não confio neles. Não mesmo.


Continuei a encará-los por mais alguns segundos. Raven tinha razão, eles eram muito bonitos. Tanto os meninos, quanto a única menina. Mas havia um de quem eu não conseguia desviar a atenção. Alguma coisa em mim dizia que já nos conhecíamos.


- Zara? - voltei minha atenção novamente para a nossa mesa - Não estou dizendo pra não falar com eles, ok? Só tome cuidado. - fiz que sim com a cabeça e voltei a comer. Logo surgiram outros assuntos e umas meninas vieram sentar conosco. Eu estava me divertindo muito com elas e suas histórias loucas, mas alguma coisa sempre me levava de volta àqueles olhos.


Passamos o resto do dia conhecendo mais um pouco da Academia. Não vimos tudo, eu ainda tinha o resto da semana para apreciar cada canto da Melborne High antes das aulas começarem. E também estava muito curiosa para saber como seria o resto dos calouros. Raven me disse que esse ano teriam muitos intercambistas, o que me deixou um pouco mais segura. Nos dias seguintes visitamos o restante da escola e eu já estava me acostumando ao ritmo do lugar. Não podíamos sair dali, apenas nos fins de semana, o que nos deixava com poucas opções, mas levando em conta o ritmo de Moontsun, eu poderia dizer que já estava acostumada ao ócio.


Finalmente a sexta-feira chegou e eu não via a hora de receber a correspondência dos meus pais. À tarde, um homem robusto e de pele clara apareceu numa das telas espalhadas pelo quarto, avisando-me. Dei um pulo com o susto, assim como acontecia todas as vezes em que as máquinas começavam a funcionar "sozinhas", mas logo me recuperei.


Me dirigi à uma espécie de tubo no hall central, que distribuía as correspondências, peguei a minha e corri de volta para o quarto, literalmente. Era uma pequena caixa, fechada com um laço de fita, onde estava escrito "Estamos com saudade, querida" na minha língua natal. Enxuguei uma lágrima que escorria teimosa, e abri um enorme sorriso ao desenrolar o embrulho. Lá dentro, haviam vários presentinhos, mas um me chamou a atenção. Era uma carta, escrita com a letra de Rannash. Segurei o papel com as duas mãos e comecei a ler.



Gente, muuuito obrigada mesmo pelos comentários, tanto pelo facebook, quanto pelo meu outro blog e por aqui! Espero que estejam gostando (:

Capítulo 2

20 de ago. de 2012

Thais Cristina,
Olhos Brilhantes.

A Academia Melborne High, apesar do nome estranho e difícil de pronunciar por causa do meu sotaque, era o lugar mais bonito que meus olhos já avistaram. Estar naquela imensidão me fazia parecer uma formiga ou algo menor. Segui em frente, torcendo para que aquele fosse o caminho certo, enquanto memorizava cada pedacinho daquela arquitetura estilizada e absurdamente cara.

À minha esquerda ficava uma quadra imensa onde, concluí, deveriam ser realizados os jogos e campeonatos escolares. Atrás dele, uma área particular com uma jacuzzi. Já à minha direita ficavam os campos de treinamento e educação física, e um pequeno laboratório branco. Todo o local era cercado por árvores, que depois descobri serem artificiais, como toda a vegetação da cidade. Na frente se avistava o campus, onde eram realizadas as aulas convencionais e no andar de cima ficavam os dormitórios. Atrás algumas piscinas e uma pequena área de convivência ao ar livre.

Quanto mais eu avançava, mais sentia como se estivesse em um sonho. Os adolescentes de Moontsun jamais imaginariam sequer ver um lugar desses. Nada estava fora do lugar, era como se as próprias pessoas fizessem parte da decoração, espalhados nos ângulos certos pra emoldurar aquela cena. Todos eram impecáveis, usavam roupas e acessórios coloridos e tinham uma pele bonita, quase reluzente. Para qualquer lado que se olhasse, avistavam-se centenas de aparelhos eletrônicos de última geração. Câmeras, equipamentos de sons e celulares. Muitos deles.

- Perdida? - uma voz surgiu atrás de mim - Não é fácil encarar a academia sozinha logo no primeiro dia.
Virei para trás e me deparei com uma menina, aparentemente da minha idade. Sua pele era morena e seus olhos castanhos, e ela tinha um sorriso simpático estampado no roso. De alguma forma, ela me lembrava de Rannash.  A diferença mais visível eram seu vestido preto e sapatos de salto altos laranja, algo que, definitivamente, nunca usaria se morasse numa ilha onde o chão é coberto de areia.
- Prazer, Raven. - ela me estendeu a mão. Nos cumprimentamos e eu pude notar que muitas outras meninas se vestiam como ela.
- Zara. - falei, tentando não parecer tímida ou estranha demais - Acho que preciso mesmo de ajuda. - ri enquanto ela parecia analisar minhas roupas.
- Acho que posso te ajudar nisso. - respondeu sorridente - E a propósito, adorei a saia! - Não adoraria se soubesse onde foi comprada, pensei, mas não disse. Apenas agradeci e elogiei seu vestido. - Em qual quarto você está?
- Ala 3B, quarto 207. - respondi com dificuldade, tentando decifrar o que aquelas siglas significavam.
- Ah sim, área os calouros. Você vai adorar! - ela disse extremamente animada - Fiquei nesse quarto o ano passado. Você deu sorte, vai poder escolher a cama com vista. Geralmente os novatos só chegam na próxima semana. - ela sorriu. Eu tinha viajado uma semana antes do começo das aulas, para me acostumar com o lugar.

Conforme caminhávamos eu podia notar alguns olhares em minha direção. A maioria era desdenhoso, como se eu fosse alguém desprezível ou tivesse uma doença contagiosa. Já haviam me orientado sobre isso. Eram os chamados, como Rann costumava dizer, mauricinhos. Não que não tivéssemos algumas famílias com melhores condições na ilha, mas quase todo o povo se vestia da mesma maneira e o máximo que tínhamos era uma televisão no "centro esportivo", onde eu e minha amiga fugíamos todas as noites para assistir filmes e noticiários sobre a vida no mundo lá fora. Por sorte, ela sempre ficara abandonada, já que a população de lá se importava mais com o trabalho do que com o próprio lazer.

- Eles não estão costumados com turistas. - Raven disse, arrancando-me de meus pensamentos.
- Ãhn?
- As pessoas daqui não conhecem muitas coisas que venham de fora. Só te acham diferente. - era estranho pensar isso. Como pessoas tão ricas podiam não conhecer o mundo lá fora? - Você não é daqui, ou é?
- Não, sou de uma pequena ilha chamada Moontsun. - respondi, dando de ombros.
- E lá é legal? - ela pareceu interessada.
- Depende do que você chamaria de legal. - rimos. Pelos padrões dali, com certeza Moontsun não se enquadrava na categoria "legal".

Finalmente adentramos o prédio central. O espaço era bem amplo e claro e dividido em infinitas portas e corredores brancos. Lá dentro o barulho era quase inexistente. Nos dirigimos ao terceiro pavilhão, onde subiríamos de elevador. Eu nunca tinha andado em um, no máximo tinha visto uma ou duas vezes pela televisão. Enquanto os andares passavam, meu estômago parecia revirar à medida que o primeiro piso se distanciava. Quando me dei conta, Raven já estava do lado de fora, acenando para que eu a seguisse. Por um momento minha mente vagueou para algum lugar e não percebi que aquele era o meu andar.

Passamos por outro corredor branco e lá estava ele na última porta, quarto 207, meu lar temporário pelos próximos três anos. O lugar era tão grande que eu imaginei que talvez pudesse acomodar todos os habitantes de Moontsun, mas era só um palpite.

- Acho que morri e estou no paraíso! – deixei escapar enquanto me dirigia à grande janela de vidro transparente que dava pra uma vista espetacular.
- Você se acostuma. – Raven disse, e só então eu me lembrei de que ela ainda estava ali – Bom, tenho que me matricular nas minhas aulas e me instalar melhor. Vou deixar você descansar. – eu assenti e ela saiu me deixando sozinha com todo aquele espaço.

 Guardei minhas coisas e me aproximei da janela. Eu certamente posso me acostumar com isso, pensei. Depois me dirigi até uma das camas, onde eu dormiria nos próximos anos, e logo senti meu estômago revirar. Lembrei-me que não havia comido nada desde aquela manhã e peguei um dos embrulhos que aquela mulher me dera. Fiquei feliz ao constatar que ele continha algumas pintchas, e não alguma comida sofisticada e cara que eu desconhecia.

Comi um punhado, sem me lembrar de seu aviso, e logo adormeci. Estava com tanto sono que senti que nada poderia me acordar. Engano meu. Acordei no meio da madrugada, tremendo e assustada por causa de um pesadelo. Nele, um homem com olhos muito brilhantes me perseguia, enquanto meu corpo se cobria com uma coloração meio arroxeada, o que me recordava a cor das pintchas. Eu corria desesperadamente pelos corredores brancos e imaculados, enquanto tudo se escurecia e transformava-se num enorme borrão.
Levantei-me, tomei um copo d’água e tornei a deitar. Dessa vez, nada de pesadelos ou sonhos. Apenas adormeci como uma pedra e só acordei no dia seguinte, com um rosto me encarando assustado.


GENTE, muito obrigada de verdade pelos comentários, tanto aqui, quanto no facebook! Fico feliz que estejam gostando e espero que gostem desse e dos próximos capítulos também, hehe. Kisses.
Escola-http://data.whicdn.com/images/33481903/jingzhou_sports_center_china_02_large.jpg
Sala de Convivência - http://data.whicdn.com/images/34535176/zaha-hadid-Chinese-architecture-futuristic-concept-sky-soho-Shanghai-07_large.jpg
Quarto/Janela - http://data.whicdn.com/images/34535110/zaha-hadid-Chinese-architecture-futuristic-concept-sky-soho-Shanghai-05_large.jpg 

Capítulo 1

17 de ago. de 2012

Thais Cristina,
Welcome, Welcome!

Da janela daquele imenso e desconfortável avião, eu observava a pequena ilha de Moontsun ficar ainda menor. Era a primeira vez em quinze anos que eu saía de lá. Agora eu tinha dezessete e já nem me lembrava do quão longa a viagem tinha sido.

Era comum os adolescentes de lá se mudarem a fim de concluir os estudos em algum país mais desenvolvido. Não que a educação da ilha fosse extremamente precária, mas é que aquele lugar não oferecia futuro nenhum, além da pesca e do cultivo de pintchas, uma fruta local.

Aquele era um lugar pacato, todos se conheciam. Era como um reality show sem câmeras, onde os expectadores eram os próprios vizinhos. Talvez por esse motivo, sair de lá não fosse assim tão má ideia. E, depois de dois anos sem professores naquele lixo que era a Escola Botsuani, decidi que terminaria -começaria de novo- o ensino médio bem longe dali.

Apenas uma coisa me faria falta, Rannash, minha melhor amiga e provavelmente a única. Diferente das adolescentes da região, que sonhavam com fama e fortuna, nós duas apenas queríamos terminar o colegial e conseguir um emprego que nos desse ao menos um lugar confortável para cair no sono ao regressarmos.

Infelizmente os pais de Rann não tinham condições de bancar uma viagem desse porte e, diferente de mim, ela não juntou dinheiro a vida toda, por isso agora nosso único meio de comunicação seriam as cartas esporádicas que mandaríamos uma para a outra, já que não havia nem sinal de aparelhos eletrônicos naquela ilha arcaica e, as únicas vezes em que víamos celulares ao vivo, eram quando turistas visitavam nossa cidade a fim de conhecer o misterioso e velho curandeiro das celebridades, que na verdade era um senhor meio alterado de sua sanidade mental. Lembro-me de nós duas, perguntando-nos como era possível caber tanta coisa num objeto tão pequeno. E como pessoas tão ricas e inteligentes podiam acreditar em tamanha baboseira.

Quando a avião pousou, eu finalmente pude respirar aliviada. Mas a sensação não durou muito tempo. O aeroporto, apesar de imenso e absurdamente sofisticado, era um emaranhado de pessoas passando de lá para cá. Encontrei algum canto mais vazio e abri minha mochila. Peguei as anotações que havia feito há alguns meses antes e segui para um ponto de ônibus. O dinheiro tinha que ser controlado a partir de agora e um táxi era algo completamente fora do meu orçamento.



Enquanto percorríamos a cidade, eu espiava a vida lá fora, pela janela. Era tudo muito moderno e bem arrumado, apesar do grande fluxo de passantes, e havia prédios altos com milhares de anúncios de produtos que eu nem imaginaria existir. Rannash ficaria deslumbrada com tudo isso, pensei enquanto passávamos por uma rua curvada numa espécie de looping, cheia de lojas e vestidos brilhantes. Os prédios altos me lembravam de algumas esculturas que eu vi uma vez num livro de história, só que diferentes daqueles feitos de tijolos e barro, esses eram de um material brilhante e sofisticado, e as ruas eram claras e lisas, como se pudéssemos ver nosso próprio reflexo no piso.

- É aqui que você fica, mocinha! - o velho senhor sentado no banco de motorista indicava meu local de desembarque.
Agradeci e desci do ônibus, passando minha mochila por cima dos ombros.

Meu primeiro dia numa cidade nova. Tudo era extremamente diferente de onde eu havia sido criada. Ao invés de rostos sorridentes, caras amarradas e pés apressados passavam por mim, ignorando um outdoor ao longe que numa das frases dizia "aqui é lugar de gente feliz". Sorri com a ironia. De qualquer forma, eu sentia que conseguiria me ajustar a tudo aquilo.

- Bom dia! - dirigi meu melhor sorriso a uma senhora que vendia doces numa pequena barraca no fim da rua, que destoava completamente daquele maravilhoso cenário - Sabe me dizer pra que lado fica a Academia Melborne High? - enrolei-me tentando não puxar muito o sotaque e parecer cordial.

- Duas quadras a direita. - ela tinha uma voz aguda e baixa. Arrependi-me por ter agradecido ao motorista e o xinguei mentalmente - Você é nova por aqui, não é? - ela provavelmente reparou em minha fala.

- Sou sim. - assenti envergonhada.

- Não costumo ajudar estranhos... - ela fez uma pausa e logo continuou - Mas você me parece bem familiar. - a mulher franziu as sobrancelhas  - De qualquer forma, aceite esses doces. - disse, colocando três embrulhos em minhas mãos.

- Claro. Quanto lhe devo? - disse, por educação.

- São por minha conta. - ela deu uma piscadela e sorriu. - Guarde para quando for necessário, eles lhe trarão sorte. - a mulher continuava fazendo um esforço para lembrar-se de algo.

- Ãhn, obrigada. - agradeci cética. Nunca acreditei muito nessa coisa de sorte, ou melhor, era como se ela não gostasse de mim, se isso fosse possível.

Acenei para a moça e virei-me na direção a qual ela me indicara.

- Hum... Zara? - assustei-me com o som de meu nome saindo de seus lábios e voltei a encará-la - Apenas quando for necessário, está bem?

Fiz que sim com a cabeça mais uma vez e atravessei a rua. Não me lembrava de ter dito meu nome, mas ela não se parecia com uma bruxa ou alguém do tipo que fazia adivinhações. Talvez eu tenha dito, pensei enquanto analisava a imagem de seu rosto mentalmente.

Ela não me parecia familiar, de maneira alguma, e era impossível termos nos visto antes. Apenas duas horas nessa cidade e eu já estava tendo alucinações! Culpei o fuso horário e o sono. Apressei o passo e, ao virar a última rua restante, a avistei. Academia Melborne High. O lugar onde eu passaria os próximos três anos de minha vida.

Observei mais uma vez aquele prédio monumental. As palavras daquela mulher ainda martelavam minha mente e meu corpo tremia, com medo do que estava por vir. Você consegue, Zara. Vai dar tudo certo, você vai ver!  Respirei fundo e dei um passo em direção ao portão. O passo que decidiria meu futuro. Ou pelo menos o tempo que durasse o ensino médio.

Imaginem comigo!
- Aeroporto:  http://data.whicdn.com/images/33630840/midfield_complex_05_large.jpg

Cara, vocês não tem noção do quanto eu tô nervosa pelas reações. hehehe Espero que gostem ;)